sábado, junho 16

madrugada

Posso deixar que fale sobre filosofia, outono, música, vida. E deixar que me abrace, seja educado, gentil,  e abra um despautério de sorriso. E ainda permitir que ande pelas ruas de Buenos Aires olhando as árvores, a lua, a fumaça do frio enquanto em uma mão leva um Fernet e na outra a minha mão. Mas entenda por favor, tem uma coisa que eu não posso aceitar: Não feche os olhos, abra um sorrisinho de canto e jogue a cabeça para cima enquanto dança, daquele jeito hipnotizante de só quem está entregue consegue fazer. É um abuso ao meu controle, uma injustiça com os simples mortais. Um convite lindo aos meus impulsos.

segunda-feira, dezembro 5

sobre emendas

É na madrugada que as cores vivas dão lugar a uma paleta de cinzas, e talvez seja o cinza que provoca o medo e guardam os tantos habitantes em casa, como se guardam objetos em gavetas. E então, é nesse momento que as linhas físicas que compõe a cidade se expõem de forma vulnerável e sem pudor. Os fluxos, desenhados por uma vida que habita, se transformam de acordo com a altura do sol e, quando esse desaparece o ritmo é outro, a cidade parece lenta, mas trata-se de uma lentidão que enfatiza uma intensidade. E nessas horas as relações do que é pele com concreto parecem mais fortes, numa sinergia que só a vulnerabilidade de todos os lados, pode permitir/obrigar. Mesmo que não existam lados.

Percorre-se essa cidade nessa madrugada com um corpo de bicicleta, do lado esquerdo toda a ilha de Vitória, do lado direito a baía de Vitória se alternando com construções que subverteram a desordem e deram as costas ao mar. E nesse caminho, a cidade se apresenta como uma seqüência de fragmentos. Cenas de um sábado afoito, em que cada fragmento guarda em si uma cidade e se guarda no corpo com imagens, cheiros, sensações. São fragmentos diversos, como crianças que moram nas ruínas do que sobrou daquele outro dia, que se abrigam dos restos do tempo, do espaço, das frestas do que o sistema lhe permitiu. Uma multidão saindo do show no Álvares, onde as singularidades por um minuto desaparecem e dão lugar a um desejo mútuo de compartilhar um mesmo som. É aquele banho de mar debaixo daquela ponte gigante, num dos visuais mais marcantes de Vitória, que consegue reunir num mesmo ponto o macro daquela construção com o micro do corpo que mais suscetível à noite, se banha correndo. Na seqüência dessa cena que é a cidade, do inverso ao verso, vem um monte de material empilhado, que parece um disco voador que acabou de chegar à ilha com promessas de um mundo melhor. Entenda como shopping Vitória, numa negação absurda dos fragmentos que fazem parte do contexto. E ainda esse que é composto por locais singulares e carregados de significados, tal como a curva da Jurema, numa cena próxima de bêbados e mendigos que antes se misturavam a população praiana, do forró do quiosque e do karaokê, mas que agora sobram das gavetas. Já bem na frente desse percurso, a cena é bastante diferente, uma multidão de adolescentes bebendo num posto e saindo de mais um show. Uma massa de gente de roupas apertadas e carros num padrão que faz parte de outro contexto que essa cidade suporta, mas parece outro mundo. Um dos últimos fragmentos do percurso e uma das imagens mais lindas, era um pescador passando debaixo da ponte de Camburi, sozinho, de branco, e em pé no barco contemplando uma imensidão que para ele é muito mais que paisagem.

Os fragmentos que essa noite apresenta são combinações de fluxos, corpos imergindo em séculos de camadas no território, onde várias épocas se embrenharam e deixaram seus registros, são minúcias num diário chamado Vitória. O corpo permeia os espaços, como os olhos permeiam um texto a ser lido. Ocupam os interstícios das camadas e do tempo e emenda os fragmentos, um a um, de uma forma sutil, mas que costurando também deixa seus rastros. O corpo permeia, se dilui e costura, camada por camada, fragmento por fragmento, e cria em si, a sua cidade.

sexta-feira, novembro 4

fragmentos

Me despeço de você, jogo a tua vida nas tuas mãos,
com uma dor necessária, mais leve.
Em mim, "mim" como uma alma diluída em corpo, você não toca mais.
Não enquanto eu penso, não enquanto eu existo Samira.
Te tirei daqui, arranquei a força pela raíz.
Mas isso não significa que eu controle os fragmentos que me compõe.
Não impede que a minha inconciência te busque escondida em sonhos.
Que a minha alma te procure sozinha pelas ruas em madrugadas frias,
deixando como pista da ausência, apenas um vácuo no estômago.
ou então que a minha pele tenha se encontrado na sua, e te peça,
célula por célula, de uma forma involuntaria e indelével,
de uma natureza, e de um física, que vai além da vida que ela abriga, agora.

segunda-feira, agosto 1

Cabe em mim

Na escala do passo
rasgo o espaço
recolho
esvaio
me moldo.

Cabe em mim esses atos
desato em rastros
Me reinvento com o toque
Transformo.

quinta-feira, maio 26

sobre o peso

Quanto em mim pesam tuas palavras?
Estas que antes eram macias e agora saem da tua boca como pássaros tortos e afiados.
Quanto em mim pesa o ar frio dessa noite?
Este que insiste em entrar pela boca e circular pelo corpo com a pretensão
de quem nem foi convidado.
Quanto em mim pesa a multidão que habita esse corpo?
de gente que dança, briga, grita e transborda na lei do mais forte.

Quanto além de mim pesa a alma?
Esta que caminha a passos sonhadores, quase infantis,
que se obriga a querer ser só, completa e forte,
e que disfarça no sorriso e em palavras vazias, suas agonias/ânsias dolentes.

Quanto em mim pesa hoje esse silêncio ensurdecedor?
que pousa nos meus ombros como pedra,
que sussurra ao pé do ouvido minhas fraquezas
que escorre em lágrima seca.


Quanto?

Quanto em mim pesa hoje, o peso de ser?






quinta-feira, maio 19

Sobre o caso de Aracruz

Spray de pimenta em olho de criança, bomba de efeito moral, 130 homes do batalhão de missões especiais, cães farejadores, tiro, trator, tropa de choque... Gente! isso é vocabulário de guerra. E as cenas disso são as mais assustadoras possíveis. Sabem esses filmes que retratavam dominação de um povo sobre outro? Que a gente se choca, desliga a TV e vai dormir? Pois é, lembra muito, e dessa vez (como várias outras) é real. E bem do nosso lado.

Não tenho a menor vergonha de dizer que eu chorei quando soube disso, mas o que adianta chorar? Vergonha eu tenho de ter a minha casa, de está no meu computador, lendo besteira no facebook, preocupada com sei lá o que, mas que só diz respeito ao meu umbigo. E enquanto isso, mais de mil pessoas estão nas ruas com as suas crianças, sem direito ao mínimo que alguém precisa para viver, não disse sobreviver. Se bem que também caberia aqui. Sem direito ao mínimo que alguém precisa para sobreviver.

Vergonha eu tenho em dizer que agora eu me revolto, mas daqui a uma semana, provavelmente vai ter passado, já que sou cria de um sistema que tem como maior objetivo me anestesiar, e assim me enche de informação, me dá porrada atrás de porrada, até que não doa mais, me faz acreditar em outras coisas, me tira toda a ânsia de lutar, e ainda quer me consolar com arte medíocre e com brinquedos novos.

Vergonha eu ainda tenho em dizer que eu faço um curso de arquitetura e urbanismo, numa universidade federal, onde as pessoas deveriam estar discutindo cidade, e lutando por uma melhor, mas estão mais preocupadas com trote em calouro, ou com o seu diploma e seu escritório que vai apenas reproduzir uma ‘arquitetura’ de mercado. E sim! Eu faço parte disso. Por mais que não queira.

E sério! Se até o que se considera a ‘elite intelectual do estado’ -que é quem tem o privilégio de ter um curso superior, e um conhecimento maior sobre a situação, não consegue mais reagir frente a docilização do seus corpos, o que esperar da outra parte da população?

O que tá acontecendo em Aracruz é só mais um exemplo, assim como as remoções das comunidades do Rio. São exemplos de como o interesse financeiro e o estado podem ser ditadores, desumanos, defendendo interesses de uma minoria. E assim investem um monte em armamento pesado, em evento de gringo, em detrimento de uma cidade justa com habitação e um mínimo de dignidade para os seus moradores.

E aí eu te pergunto: Quanto vale?

Quanto vale hoje sua vida? Quanto vale o seu acordar e o teu bom dia? Quanto vale a mesa que você divide com tua mãe no almoço de domingo? Quanto vale aquele quadro (presente) que fica na tua sala? Quanto vale as lembranças ganhadas do filho? E a tua roupa preferida? Quanto vale as tuas paredes, o teu teto, o teu chão? Quanto vale a tua rua? E os amigos das crianças que moram do lado? Quanto vale construir teu teto com as mãos? Quanto vale o humano? Ser humano? Quanto vale a tua dignidade? O teu trabalho? Quanto?

Hoje é só essa pergunta que importa. ‘Quanto?’.

E por fim, digo como a maior parte do mundo, eu vou desligar meu computador, como alguém desliga a TV depois de um filme de guerra, e vou dormir longe do frio, da chuva, e amanha vou acordar e continuar fazendo parte de uma massa apática que acha que isso ‘não é problema meu’.





domingo, maio 8

de amor, do inverso aos versos, da cabeça aos pés.








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domingo, abril 17

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textos infâmes e palavras in.significantes para disfarçar um vácuo que insiste
e um sentimento, até que suportável, de incompletude.




Ai, volta pro PG.



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sobre cascas

Queria me livrar de roupas, sandálias, brincos. Não me pendurar mais paradigmas sociais/temporais/culturais. E ser só um corpo nu, vulnerável, de pele, frestras, pêlo, desejos, sentidos.
Um corpo animal/físico. Um CORPO.

Mas ainda queria ir além, queria transpor a pele, puxar os poros blindados até arrebentar,
e assim sentiria em carne viva. Amaria até morrer, sofreria até morrer, desejaria até morrer.
Me misturaria a cidade, me diluiria.






segunda-feira, março 21

sobre costuras

Jogo fora aqui essas letras, junto com todo meu desejo trancafiado em cada sopro de ar.
Assim, como uma criança que guarda as peças da dama antes do fim do jogo.


Difícil é gostar de jogar com quem faz com desídia.
E impossível é cuidar do que nunca nasceu.




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terça-feira, março 15

Recife

Sei de quase nada nessa vida, mas sei te falar de cores. Sim! de quase todas as cores. Quase! Porque nesse lugar só tem espaço para as mais vivas, sobrepostas a azul e cinza. Azul! cor de uma cidade de praia linda, de paisagem de céu e mar misturadas com pontes, muitas pontes. De um azul alaranjado no pôr do sol. De um azul gritante ressaltado por casas coloridas antigas. De azul esverdeado na parede descascada do bar simples e aconchegante onde trabalha seu Jaime. E cinza de uma cidade de asfalto sujo, com crianças famintas e porque cinza é a cor da atenção, do passo medido em medo, da roupa gasta de crianças. Mas preto é a cor de crianças maltrapilhas que causam o medo, é a cor do dente, da miséria, da desigualdade, do abandono.

Mas é de um azul/cinza que são como pano de fundo e se misturam a um verde/amarelo/vermelho gritante que parecem querer deixar claro ao mundo como foi, o que é. São cores que dizem aos quatro cantos o valor que a cultura representa nesse lugar, cores que tornam um modo de falar único, cores que fazem as pessoas terem sempre um sorriso, cores que gostam de música, de teatro, de filme. Cores que fazem uma cidade inteira viver junta o carnaval dançando ciranda de mãos dadas, com música boa, cerveja barata e fantasias.

Recife pulsa alto sua história e sua cultura, mas de uma forma que pulsa nela para ela mesma, sem querer sem espetáculo e nem resistência. Recife simplesmente se vive, mas de uma forma verdadeira de gente que se identifica com o seu lugar, gente que é o seu lugar. Gente que colore forte com unhas, dentes e música a sua cidade.



sábado, fevereiro 12

ciranda de pássaros

Algum tempo atrás eu tinha vontade de colocar fitas coloridas nas pessoas que eu gosto, e amarrar todas nos meus braços, para que eu as levassem pela vida, pertinho de mim. Assim eu andaria embolando as fitas no caminho a fora, e seria colorido sempre como carnaval. Mas até que depois de muitas fitas arrebentadas, que se puxaram tanto que cortaram a pele, percebi que por mais que a gente não queira, elas se soltam e se vão, mas se deixam ali, cravadas no âmago, com tempero de saudade.

E assim, num dia de revolta, cortei todas as fitinhas e fiz delas origamis de passarinhos, desses que voam e voltam nos lugares preferidos com o cheiro de carinho e de vontade. Conto com os dedos das mãos e dos pés os origamis que voam no mundo, mas que continuam em todos os meus dias e que sempre terão abrigo na minha alma. E depois disso me fiz inteira o suficiente para conviver com a falta, guardando no que eu sou, o que ficou da presença. Me fiz calma o suficiente para lidar com a expectativa do nunca mais. E com coragem o suficiente para amar grande no tempo finito. Só ainda não aprendi a não sentir saudade. Mas dessa também faço origami.

Sou uma ciranda de origamis de pássaros e de saudade.


Coisa linda de môdeus de Kandinsky

quarta-feira, fevereiro 2

2 de fevereiro

Sentidos. Pense em todos entorpecidos ao mesmo tempo. Pense no som do tambor, da voz vermelha de fé daquelas pessoas de branco, cantando junto com o barulho das ondas. Pense no cheiro azul das flores, do incenso. Pense em ver o mar numa composição que parece que foi feita para ela- maré baixa, que deixava no lugar da água, aquela textura de rio que permeia a terra. Pense nessa textura coberta com conchas, flores, e lá no fundo gente cheia de sonhos com água até os joelhos, vivendo no tom pleno. Pense no pé descalço sentindo a areia molhada. Pense em não pensar em nada, só sentir tudo isso numa sinergia absurda com a noite, com o mar.

Pouco sei sobre Iemanjá, talvez seja por ter sido criada no interior, ou por falta de caminhos que me levassem até ela. Mas de qualquer forma sempre vou até a sua festa, mas nenhuma vez senti com tanto amor como hoje. E é disso que quero falar, não é de crença, nem de religião. Quero falar de sentimento, dessas coisas que arrepiam a gente, entram pelos poros e falam no ouvido porque estamos vivos.

Senti isso na minha alma, e na caminhada de volta para casa percebi porque dessa vez foi mais forte. Foi culpa de um mar, que nunca foi tão parte de mim como nesse último ano. Vivi o mar se fazendo abrigo, aconchego, afago em horas que só eu mesma não bastava. Vi o mar se fazer cura, terapia, remédio em momentos que eu achava que ia morrer de dentro para fora. Vi no horizonte o tamanho de uma vida, o tamanho de um planeta e sai de dentro do raio ridículo de um palmo de mim. Também vi o mar se fazer fuga, e me tirar do tédio de uma claustrofobia doente. No mar eu vivi um lugar de encontro e de reconstrução de mim mesma.

Agora me alimento de sua energia, e assim percebi que talvez Iemanjá esteja nessa energia, se diluindo com a água sua proteção e cura. Senti uma vontade imensa de abraçar isso tudo e de agradecer. Parei no caminho com uma rosa na mão e agradeci baixinho ao mar. Agradeço grande parte do que eu sou agora, a ele.





quarta-feira, janeiro 26

Célula

Quando eu vi tanta gente com idades/cores/tamanhos/cidades/cotidianos tão diferentes rindo juntas, percebi o potencial de diluir barreiras que a arquitetura tem. E me encontrei como estudante numa faculdade que parece querer te confundir, mas do que te formar. Viver nessa sociedade tão dual, estriada por tantas fronteiras, e que faz questão de se dividir em morro e plano, estudante e comunidade, rico e pobre, formal e informal, regular e irregular... precisa de ferramentas mágicas para quebrar barreiras físicas, psicológicas e sociais, para assim tornar a cidade um local mais humano, mais bonito e até mais sincero.

Sendo assim, acho que a primeira barreira a ser quebrada é dentro da gente, e buscar não vê quem está lá em cima, ou lá em baixo, ou até do outro lado da ilha como "eles". É não ficar na sala de aula falando como se soubéssemos de tudo e parar de ver quem esta na comunidade como ratinho de laboratório. É perceber que na verdade o que existe é "nós". É como se fôssemos mais algumas peças de quebra cabeça numa construção de cidade que é feita por todos, onde cada um ajuda com o que sabe, ou com o que pode. Como diria o SeNEMAU- é do Singular ao Coletivo.

Depois de alguns meses sem ir em Jaburu (bairro próximo a Leitão da Silva), voltei lá nessa semana. Fiquei feliz de ver as crianças tentando falar em Inglês e em Espanhol com umas meninas gringas que vieram ajudar num projeto de consciência ambiental, fiquei feliz de ver churrasco marcado para inaugurar a praça nova, que todo mundo ajudou a fazer. Feliz pelo convite de tomar cachaça no Seu Raimundo. Feliz pelo orgulho que o líder comunitário mostra o centro comunitário, que foi feito em mutirão com a gente, em julho de 2010. Orgulho de ter feito parte do Célula, que está mandando tão bem e é um exemplo de como a arquitetura pode ser usada como ferramenta, como máquina de guerra de quebrar paredes, de ser o "entre". De usar a construção do espaço e o próprio espaço como elo de vidas, de encontros, de troca.

O Célula, quando vivido, é mais que a oportunidade de abrir portas para uma forma de levar a profissão. Abre a gente para a gente mesmo, numa forma de viver a arquitetura como processo, de experimentar fazer o melhor, de se conhecer, de conseguir sonhar uma cidade mais justa. (piegas assim).

Para quem não conhece, o Célula é o nome do EMAU (Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo) da UFES, atua como grupo de pesquisa e extensão. E desde de 2008 trabalha na Poligonal 1 de Vitória, autodenominado Território do Bem. São oito bairros (Floresta, jaburu, São Benedito, Itararé, Consolação, Engenharia, Bonfim e Bairro da Penha).
Algumas coisinhas sobre em http://celulaemau.blogspot.com

Um beijo e um obrigada pra quem viveu isso comigo: Clara, Lilian, Tetê, Bruno e Pedro que foram parceiros pela maior parte de tempo, a comissão do SeNEMAU, aos anteriores que foram para o mundo, e aos mais novinhos, que vão continuar essa história.

Já tá rolando nostalgia.


Reforma Centro Comunitário de Jaburu

Alongamento pré-mutirão.

Luizinho

São Benedito


Casa de algum morador que eu esqueci o nome.

Um dos lugares que dá vontade de ir e ficar.

Arquitetinho da praça de São Benedito

Pipa em Jaburu

Mutirão bombando

pinça

Pra que conhecer cada pêlo seu, ser capaz de dar nome a cada um, misturá- los com os meus, para depois ter que tirá-los dia a dia, e a pinça, de mim?

Ausência

Hoje eu acordei com borboletas revoltadas no estômago e um grito forte preso na alma. Quis sumir! Pensei em me trancar em casa, ou ir andando para sempre na direção do vento, assim como uma sacola de plástico que se deixa levar, se deixa cair, se deixa levantar. - Não! mas eu não me permito mais cair. Melhor então seria seguir os fios dos postes até que desaparecessem e não houvessem mais postes. E nesse lugar tudo seria escuro, e no escuro eu seria só luz, não seria mais carne. No escuro sentiria a ausência acariciar a minha alma. E assim eu percebi! eu quero mesmo é comer a ausência, assim como plantas comem a luz. Quero mastigá-las, sentir seu gosto azedo até que me cortasse a língua. Quero engoli-la, me alimentar dela, sobreviver dela. Levá-la de mim para mim mesma. Mas ausência só existe quando antes existiu algo, ausência é como o ar que agora ocupa a fresta do que ficou. Primeiro se come o que se tinha, para depois se viver dela, como se fosse uma sobremesa amarga e fria. Comi o que eu tinha numa fome visceral, entregue, sem medo! E agora como a ausência, mas sinto-a cada vez de gosto mais fraco, mais pálido. E assim me sinto só, como se a ausência alguma vez fosse parte. Como se ausência preenchesse. Ausências poderiam se chamar fantasmas.




terça-feira, janeiro 18

forte




Tô assim, de um jeito que até cortar tomate ouvindo Chico Buarque vira poesia. Com vontade de ser vento e se deixar ir, se jogar nessa cidade e descobrir seus interstícios, seus confortos, seus descompassos. São dias de sentir os buracos da calçada, o mar gelado na nuca, o vento forte no cabelo. Dias de se embrenhar entre prédios, entre sambas, entre ruas, entre vidas. Dias de olhar pela janela e imaginar a África, logo depois a Austrália, dar a volta e imaginar a minha nuca. Dias de deixar a cidade fincar em mim suas memórias, verdades, e seu cotidiano afoito. Dias de imaginar uma foto bonita até no punhado de cabelo no chão, de ver filme antigo nos amigos dançando na rua, de querer forte ser parte de um mundo. Dias de querer dividir esse céu com tudo que tem de vida.

Ontem me falaram que eu era uma menininha deslumbrada com o mundo, como se fosse uma criança em selva de pedra. Queria eu ainda ser criança e ver tudo pela primeira vez, mas talvez um rever de outra maneira já satisfaça.

Não me cabe mais na pele.
Ser feliz é massa.





quinta-feira, janeiro 13

A flor da pele

Tentei escrever sobre tudo isso, mas as palavras fugiram, talvez o tudo não seja tanto, e eu esteja viciada em ver a vida em narrativa, numa espécie de drama, onde tudo toca ainda mais. É como se meus sentimentos se tornassem filme, onde eu mesma narro, assisto e sofro por ter assistido -ciclo maluco.

Hoje eu tive um dia de cabeça densa, mas não que mereça um enredo de início, meio e fim. Vou ser pá pum. Não vou falar sobre borboletas, nem sobre passarinhos, muito menos de navio, pra lhe dizer que eu me cansei de ser só a flor da pele, agora eu preciso que entre pelos poros e ultrapasse a carne, preciso de me aconchegar na intensidade de fogo de um olhar. Só.

quarta-feira, janeiro 12

Vídeo lindo



Muito, muito fofinho. Não canso de ver.

sexta-feira, janeiro 7

esse dia

Acordei com um nó na garganta que ia da língua até pulmão, faltava ar. Tentei ver se passava tomando um chá, mas tive medo do nó causar revoadas no estômago. Orei! E ao abrir os olhos vi tua face na sombra, com aquela expressão de desaprovação que eu conheço em cada detalhe, onde cada linha me dizia que eu era muito mais, e estava sendo, muito, muito pouco. Chorei! E neste instante tive vontade de te abraçar, mas em alguns segundos percebi que aquilo ali, era uma projeção minha de alguém que não existe mais, e abraçar-te, seria como abraçar um fantasma, seria como cruzar as mãos no meu peito até o tocar os meus ombros. E assim fiz exatamente esse movimento! Ao sentir-me soube o que estava acontecendo. Existia em mim uma montanha de areia e um projeto de um castelo, precisaria ficar ali, dia após dia o construindo em suas minuncias, dando-lhe minha alma. Mas ignorei todos os fatos e desviei da areia. Não tem nada que a gente tente que dê certo fora do seu tempo. E sim! agora é tempo de areia tomar forma, é tempo de olhar só para dentro e fazer a vida seguir. Fugir disso seria como ir na direção de um abismo, onde qualquer tentativa de coisa boa no caminho, seria falha e triste. Ainda com os braços cruzados e com as mãos sobre os ombros, lamento algumas perdas por eu não ter sido o que eu sou, mas sinto-me mais tranquila. E o nó de agonia deu lugar a uma ânsia de fazer e uma leveza que há muito minha alma não sentia.

quinta-feira, janeiro 6

Livro do desassossego.

Não resisti, postei!


"Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos
gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não estão pegados."

perspectivas

De repente a minha percepção de viver o espaço mudou,
vi o asfalto se dobrar e criar ondulações que a física nem acreditaria.
vi as profundidades urbanas que meus passos conheciam tão bem,
dançarem sob os meus pés.
vi a escada, conhecida pelos meus movimentos na sua intimidade,
se entortar de quase romper.
E na noite, tudo ganhou perspectivas agudas.

Tropecei!

Vi teu rosto nítido e essas letras infinitamente pretas no branco.
Vi uma paisagem agora emoldurada no rosto.



Rá! primeiro dia de óculos e eu mais perdida.

domingo, dezembro 26

de terra e nuvem




Meu pai me criou como em trilha de chão de terra batida, debaixo do sol quente, me mandando escalar a terra seca, a pular os abismos com olhos abertos, sem perder de vista o fundo. Como bom pai, me deu um cantil cheio de água, uma corda, e me ensinou a usar o facão para abrir a estrada. Ficou de longe, exigindo que a estrada fosse perfeitamente trilhada, que os obstáculos virassem lindas esculturas, e que eu jamais reclamasse dos percalços, e não, eu não tinha de forma alguma, o direito de cair. Das trilhas, de longe eu o via, me estruturando, mas com cara endurecida de exigência, com braços cruzados, me fazendo forte, camuflando um coração que pulsa roxo na mão.

Já minha mãe é nuvem, me acompanha na estrada, faz chover quando faz muito calor, abre o sol para secar lágrimas e relampeja muito bem quando alguém se faz armadilha. Essa me deu cobertor para me aconchegar no caminho, muita comida para não perder as forças e principalmente para dividir com quem fosse preciso, além de palavras para acalmar. E fica ali em cima, pairando pertinho, sente mais do que eu, as minhas alegrias e tristezas. E por isso aprendi a fazer cara de gente de pedra, como a do meu pai, para que não sofra mais do que eu as minhas agonias. Preservo-lhe de suas tempestades incontroláveis, e protejo o mundo de seus raios. Tento fazer com que sinta só as alegrias, para que seu coração e o clima sejam de brisa.

Terra batida e nuvem fazem parte do que eu sou, num contraste que gera movimento e que me leva para frente, como positivo e negativo, ar quente e ar frio, num equilíbrio que só quem vive pela gente é capaz de passar. Sou de afeto escondido em força, duro como sol escaldante, indefinido como o escuro. Mas também sou força caminhando na corda instável do afeto, pé na frente do outro pé, frio no andar, mas intenso como olho de criança. Numa sintonia desafinada e que as vezes caí do alto e dói, mas com esboço de sorriso fincado, esculpido na terra batida, treinado para ser leve como nuvem branca.


Que venha mais um ano.







quarta-feira, dezembro 22

...

Como uma palavrinha, que correu até aonde as pernas não davam mais,
pulou, saltou, teve medo, perdeu a força e escorregou. Ficou ali, com aquela
cara de reticências, olhando vagamente para o infinito. Até que num surto, se agarrou a uma exclamação, como quem se agarra a um poste. Voltou! mas outra palavra, de caligrafia firme e com reticências para dentro.

psiu.

Me criei no silêncio da madrugada,
me desfaço dos sons das palavras alheias,
como quem precisa de ouvir o som baixinho que vem da pele.

Tenho prestado muita atenção nesse som ultimamente
e tem me sido boa companhia
me ensinou a matar alguns fantasmas
e me ensina a conviver com outros
dia após dia em doses homeopáticas

O silêncio entre olhares é diferente
e algumas vezes faz falta
tenho aprendido a lidar com a falta
ouço o silêncio de dentro
e agora gosto de ser pessoa "uma"

mas ainda assim
nem essa madrugada com esse silêncio
me impediram de achar essa tarde bonita
e ter vontade do teu boa noite.

beijo para vc.

sábado, dezembro 11

noite sem sono

Vontade de romance,
com direito a carta, pele, madrugada.
e até de contar o filme que eu vi hoje.

Cadê?




quinta-feira, dezembro 9

Para Yan


(Achei que lembra você e assim te faz lembrar Vitória)

"Observe. As janelas e as portas da casa se abrem porque retorna o vento sul. Uma rua deserta para sempre, mas só até onde a vista alcança. Observe. O menino abre os lábios para respirar; os olhos fundos e secos. Por dificuldade, ele então diz uma coisa, enquanto a lua continua se movendo. Observe o detalhe do olhar; de olhos fundos e secos. Observe então os dois. O menino com a cabeça levemente tendendo para o lado do ombro direito, os olhos fundos e secos. A lua continua se movendo. Observe o menino de olhos abertos. Este é o instante que Vitória perde todas as suas características geográficas, enquanto a 250 quilômetros, 25 anos antes, Hulda Berger deita-se no campo e vê as estrelas por cima e a escuridão. A luz continua se movendo. O menino, de lábios abertos, os olhos fundos e secos, respira com dificuldade, como se estivesse morrendo afogado. O vento empurra pela rua o chapéu com fitas. Este é o instante em que Vitória, a cidade infame, perde todas as suas características. A empregada abre a janela de seu quarto no 12° andar do edifício Kennedy e se joga no vazio. Este é o instante em que Vitória perde todas as suas características. Observe o menino de lábios abertos. Este é o instante em que o ramo de flores cai aos pés, enquanto a lua continua se movendo e o vento espalha cheiro de manacá pela cidade. Este é o instante em que a praça Costa Pereira se encontra deserta para sempre. Longe, muito longe daqui, o vento sopra. Este é o instante em que chove. Observe. Este é o instante em que o menino, de cabeça levemente tendendo para o lado do ombro direito, de olhos fundos e secos, tenta sorrir. Observe o olhar. Este é o instante em que se encaram. Este é o instante em que o vento abre as portas e as janelas da casa e bate a pitangueira de encontro ao portão. Observe. Este é o instante de madrugada para sempre. O cheiro de manacá espalha-se pela cidade. Este é o instante em que Carmélia M. de Souza e Xerxes Gusmão Netto esclarecem no bar alguma coisa a respeito da geração traída. Este é o instante em que nada mais há para ser dito. Observe. Este é o instante em que uma pessoa obrigatoriamente esquece, pelo simples fato de estar viva. Observe. Este é o instante em que se ouve o coração do mundo. Este é o instante em que o vento sopra, invadindo a cidade em seus quatro pontos cardeais. Observe. Este é o instante em que Vitória se parece com qualquer cidade do mundo, apresentando-se anônima para sempre. Este é o instante em que a lua continua se movendo. Este é o instante em que se ouve o coração do mundo. Este é o instante- observe- em que se encaram. Nada mais há para ser dito. Fim. Adeus, adeus, o navio que parte, despedindo-se, adeus, agora e na hora. Fim. Então se abraçam. Este é o instante para sempre, em que a praça Costa Pereira se encontra deserta de pessoas. Observe. Este é o instante em que, a 350 quilômetros, 35 anos antes, o fazendeiro engatilha a espingarda, faz pontaria e atira no cachorro que então late e uiva e"

"Ah eu te amo. Vitória, cidade infame, como Baudelaire disse de Paris. Estende o pulso, enfiando a gilete até sentir dor. O horizonte, ontem, sempre, amanhã. Então se abraçam. O vento sopra. É tão fácil adivinhar as coisas, é que eu havia bebido vinho. Tão simples viver, uma rua úmida, algumas flores. O cheiro de manacá espalha-se pela cidade. Quem suporta um dia inteiro de primavera. Nada haveria a ser dito. Então se abraçam. Nascera, fundamentalmente para caber no mundo. Este é o instante em que Vitória perde suas características geográficas, as únicas que possui, e então se parece com qualquer cidade do mundo; em cada rua, em cada esquina, no rosto de seus habitantes, Vitória então se apresenta anônima. Ouve-se o coração do mundo. É para sempre. Longe, muito longe daqui, as estrelas por cima. O vento sul sopra, como se fosse maio, ou talvez fosse. Então se abraçam."


Trechos de Blissful Agony de Amylton de Almeida. É uma mistura de romances que acontecem ao mesmo tempo no Centro de Vitória. Lindo a forma como ele descreve um cotidiano, cheio de acontecimentos e repetições triviais que compõe a vida de uma cidade. Levo para o PG e fico mais feliz com ele.

Beijão.


terça-feira, dezembro 7

libra

Cabeça a explodir, e talvez essa seja uma virtualidade disfarçada de real,

Fatalidades, futilidades. Tudo nesse instante, tudo grande, maior da vida.

Tenho uma personalidade encravada nessa palavra dita libriana.

Sim! Meu mal é o dia em que eu nasci- prematura de um acaso tramado- um rótulo que já me deram antes do início de existir. Talvez o primeiro deles, antes mesmo de saberem que eu era mulher. Antes mesmo de saber que eu era Proêza, Samira Proêza.

Ainda guardo a dúvida se são mesmo os astros que interferem nisso tudo, ou se eu me fiz isso, me justificando nessa coisa balança.

Que óbvio, que de balanceado não tem nada.

Mas enfim, me fiz mulher, e pior, mulher libriana, e das boas.

Sendo assim, guardo em mim todas as indecisões do mundo, e vou me atropelando, te atropelando, tudo isso por uma covardia/preguiça de decidir absurda, e num desespero/impulso não decido, faço e só.

As poucas decisões que consigo ter, são como peças raras, guardo num tesouro com chave jogada fora, e isso faz de mim teimosa de inicio meio e fim. Teimosa e decidida e me atropelo/ te atropelo, no apego dessas coisinhas/ verdades que consigo na vida, e que junto com meus impulsos me tornam o que eu sou.

Tenho carências de pele e de alma, mas preciso ser sozinha, me sufoco como quem parece que se prende, falta ar, falta sempre ar, e assim me engano/te engano num receio de quem ainda não aprendeu a dizer não.

Fiz-me em gestos exagerados, pegadas no cabelo, conversas de ouvido, e aprendi tarde demais, que não se pode ser assim, mas também aprendi que jeito não se poda, se reconstrói, e isso compõe o que hoje eu sou. E talvez eu seja sim dessas. Sabe? Dessas que parecem sempre se sentir, mas no meu caso acho que é só sentir mesmo, sem o se.

Sigo como bíblia o tal verbo amo, e amo muito mesmo, e desesperadamente, amo instantes de vida, barulhos, fragmentos de cidade, sombras, versos, pessoas, sou capaz de mal te conhecer e de alguma forma já te amar, a ponto de está aqui, escrevendo essas zilhões de palavras numa tentativa falha (eu sei) de me justificar.

Esvair, encher e ser sensível/ exagerada /dramática. Às vezes parece que essa coisa de libra não cabe aqui, o suporte é fraco. E pior que eu sei que sou insuportável, que fique bem claro. Assim, posso de forma egoísta, querer que se faça meu suporte. E aí também verás que sou insuportável

Mal te conheço.

Mas me desculpe ou não, agora tanto faz.

domingo, novembro 21

In-significâncias

Chega o pai com uma garrafa de Skinka, que parecia ser de uva. A filhinha (por volta de uns 7 anos e linda) bate a perna, faz dancinhas com o ombro, e abre num desespero de sorriso aquela garrafa de suco. Não bebe, com uma sutileza/ansiedade empresta a garrafinha para a vó, que toma o primeiro gole, daquele jeito, que enche a boca até não caber mais antes de engolir.
A vó devolve para filha que se esbalda naquela coisinha roxa. Enquanto isso o pai abre uma skinka verde, que pode ser de limão, kiwi, ou só verde mesmo. A vó se estica para dar um gole, sem falar uma palavra, e a filha puxa a garrafa para escolher entre o verde e o roxo, o melhor sabor. Acabam por ficar ali, minutos sem palavras e num momento cúmplice e feliz, que mal cabe em duas garrafinhas de Skinka.

Cena sutil de uma rodoviária no dia de domingo.
Depois fui descobrir que o nome da filhinha é Belinha, mas não vem ao caso.

segunda-feira, novembro 15

Lispector

Ando com mania de guardar coisas que de certa forma me tocam, sabe coisa de colecionador?
Às vezes acho Clarice meio clichê, na verdade não o que ela escreve, mas o que as pessoas fazem do que ela escreve, gastando igual sola de sapato, em todos os lugares.
Mas esse texto vale a pena guardar/gastar aqui.


Noite de Fevereiro


"Juro, acredita em mim - a sala de visitas estava escura - mas a música chamou para o centro da sala - a sala se escureceu toda dentro da escuridão - eu estava nas trevas - senti que por mais escura a sala era clara - agasalhei-me no medo - como já me agasalhei de ti em ti mesmo - que foi que encontrei? - nada senão que a sala escura enchia-se da claridade que se adivinha no mais escuro - e que eu tremia no centro dessa difícil luz - acredita em mim embora eu não possa explicar - houve alguma coisa perfeita e graciosa - como se eu nunca tivesse visto uma flor - ou como se eu fosse a flor - e houvesse uma abelha - uma abelha gelada de pavor - diante da irrespirável graça dessa luz das trevas que é uma flor - e a flor estava gelada de pavor diante da abelha que era muito doce - acredita em mim que também não creio - que também não sei o que poderia uma abelha viva de pavor querer na escura vida de uma flor - mas crê em mim - a sala estava cheia de um sorriso penetrante - um rito fatal se cumpria - e o que se chama de pavor não é pavor - é a brancura subindo das trevas - não ficou nenhuma prova - nada te posso garantir - eu sou a única prova de mim." (CL)


domingo, novembro 7

vento

Ando um tanto solta,
de sentir forte
de fazer redemoinhos
de me embrenhar em frestas
de balançar com parangolés
e de deixar descabelos no ar

cadê pé?

domingo, outubro 17

mês das flores

Peguei a vida de volta
e com as duas mãos,
assim, como quem tenta segurar o vento,
como quem tenta pegar um punhado de areia

Parei de tentar e peguei, prendi na mão em forma de cuia
e to segurando forte
andando com as mãos fechadas,
equilibrando o vento, guardando com jeitinho
de passo em passo
como quem aprende uma nova dança.

As mãos ocupadas pararam de ser perdidas
procurando qualquer coisa
e paradinha com cautela, só me restou observar em volta.
Me surpreendi com a quantidade de vento,
que agora mal cabe nas minhas mãos de gente pequena,
e me surpreendi com a quantidade de mãos que tinham ali
de todas as formas, cores, sabores.
Todas em forma de cuia, equilibrando forte
ajudando a dançar.


Obrigada pessoinhas lindas,
que fazem/fizeram parte de mim.

Outubro é mês de flores em toda cidade
e hoje é meu aniversário.

Feliz da vida!

segunda-feira, setembro 27

Caeiro

Fugidinha do trabalho para desafogar.

To numa fase Caeiro, na verdade acho que é mais que fase,
tenho que ler todos os dias ao menos um poema.
como pode dizer tanto e de maneira simples tão simples?
É lindo demais.


Tomo a Infelicidade com a Felicidade

"Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento ...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva ...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja ...

domingo, setembro 19

a razão/ arrazão/ azar ão

Se encouraçava
Prendia a energia, pesava
Argumentava que fazia tudo em torno de uma razão
Ah! Quanta razão

Se fechava em escamas, couraças com ferro
Se enganava, mas podia, era com razão
Prendia o choro, jogava fora sentimentos que não prestam
Amor não é razão

Se iludia
Razão não permite elos
Se justificava com auto-suficiência
Se apegava numa existência frívola,
Sabia, mas tinha razão

Passava de boca em boca, copo em copo
Preenchia o dia com tentativas
Sabia ser vazio com capa dura
Sabia que para ele aquilo era errado
Mas era errado com razão

Anestesiado, blindado
Feito de fases e relações passageiras
Essas coisas que não contrariam sua razão

E tinha toda a razão do mundo
Mas do mundo,
Só tinha a razão

quinta-feira, agosto 26

Quando o dia vira poesia

Gosto de andar de ônibus, acho bonito tantas pessoas, vindo e indo para tantos lugares.
Gosto as vezes de me colocar em outro plano, ser invisível e só observar.
E assim foi meu dia, ônibus e mais ônibus.
Acordei pegando de Jardim Camburi para Jardim da Penha, bonito passar na praia de manhã e ver a galera correndo. Pensei: "Um dia eu ainda vou ser assim." Eu sei que talvez nunca consiga, invejinha boa. Queria gostar de acordar cedo, mas para isso vou precisar de umas 3 vidas para acertar. Essa não vai dar tempo, tenho certeza.

O segundo foi de Jardim da Penha para rodoviária. Sentei na frente, com preguicinha de passar roleta com malas. E vi um menino tão lindo, deveria ter uns 7 anos, mas a forma adulta que ele cuidava da vó dele me surpreendeu, pagou ao trocador, conversou que ia ficar na frente para cuidar da vó, e lá ficou abraçado, perguntando se tava tudo bem, pegando na mão dela para descer do ônibus.

Fiquei observando o trocador, para ver se ele ia girar a roleta, ou ficar com o dinheiro. Quis que ele ficasse, achei que faria mais diferença no bolso dele, do que da empresa do ônibus. Mas assim que o menino desceu do ônibus, ele girou a roleta. Num sei porque, não deveria, mas achei triste.

Fiquei uns 20 minutos na rodoviária atoa. Tinha um doidinho fazendo malabarismo para ele mesmo de público, ele se divertia tanto jogando as bolinhas para todos os lados.
Senti pena, mas é coisa da minha cabeça condicionada. Olha só, já escrevi doidinho lá em cima. Doidinho eu ou ele?

Enquanto isso, distraída que eu tava olhando.
Vem uma criança e me dá uma tapa na cabeça. Olhei para trás, e ele tava com aquela cara mais porca do mundo rindo e a mãe dele pedindo desculpas para mim. E que criança com olhos lindos. Me deu vontade ter olhos lindos e felizes assim no meu dia- a-dia. Essas coisas não tem como descrever, limpam a alma.

Entrei no pretti (ônibus para Santa Maria), dormi com aquele toque de celular, que as pessoas acham que a gente é obrigado a achar ótimo. Parece que o mundo tem o mesmo gosto musical. Me senti esgoísta, coloquei os pés para cima e dormi. Nem sei se alguém precisou de lugar. Mas me senti bem, quando olhava a paisagem, entre os apagões.

Chegando na rodoviária de Santa Maria, precisei de ligar para meu pai me buscar, e tava sem celular, pedi uma senhora, com a maior cara de pau, para me emprestar.
Tentei ligar a cobrar e não consegui, ela mandou eu ligar normal e disse para eu ir andando com ela até o onibus, já que ela tava atrasada.
Falei com meu pai, entreguei e agradeci.
E ela me surpreendeu falando que era um prazer me emprestar o celular. Que ela tinha gostado de mim.
Me senti muito bem, acho que desacostumei com a gentileza das pessoas, achei que ninguém mais sentia prazer em emprestar coisas.
Fiquei feliz. Muito feliz. De ainda conseguir vêr isso.

Mas enfim... fui para Santa Tereza, tive alta e ganhei meu pé para mim de novo (mas isso é outro post) lanchei bonitinho com meu pai.

E fiquei pensando como é bonita essa rede personagens urbanos. De pessoas que nem se conhecem, mas constroem juntos cidades, que se relacionam, que fazem parte,
que se ajudam, mesmo sem saber. Até mesmo com um olhar.
me senti bem, de fazer parte disso, e deu vontade conhecer mais. Quis saber de onde vem essas pessoas, o que fazem. E como participam dessa rede.
Será que cada nó é um encontro? Será que a gente guarda mesmo sem saber, um pouquinho de cada um na gente? Será que como somos todos? onde em mim ficou o menino com sua vó, o malabarista, ou a senhora do celular?
Alguém já disse que a vida é a arte do encontro. Eu acredito. E acho que a gente é feito de olhares, de lições diárias, de personagens urbanos.
Mas aonde? Será que mesmo esquecendo disso, vai ficar em mim?

Desculpa o post prolixo, precisava de registrar aqui. Medo de esquecer e tentativa de entender. Talvez daqui algum tempo eu ache essas coisas todas.

sábado, agosto 21

dedinho

Hora de colocar o dedinho na cara,
Enfiar garganta abaixo esses pingos nos is.
É, em você mesmo!
Psiu! Não adianta olhar para o lado, fingir que tá tudo certo.
Até agora você ignorou os gritos da janela, das folhas, do vento.
Saiu de fininho da parede que te jogaram tantas vozes, olhos e bocas
Num me venha com essa, de que daqui a pouco passa, a vida volta.
Aliás! Quem você acha que é para tirar férias do mundo?
Vê se por um acaso, a noite falta o expediente algum dia?
Se toca garota, tá se achando demais!
Tenho maior pena de você!

Sim, dedinho na cara é pouco para ti, de burra que você é.
Quantos Caeiros você vai precisar de ler,
Para ver que a vida não é retardada assim?
Quantas porradas, palavrões, empurrões,
Você vai precisar de tomar para sair desse espasmo?
Acho que você já ta bem grandinha para ouvir,
dessa forma tão óbvia, que o mundo não pára
Quantos ossos quebrados
Você vai precisar para descobrir o que você é?
Prrr. Você ainda tá de mimimi?
Ai.... que não conseque fazer isso e aquilo.
Minha filha, ensinar batendo não dá mais.

Reage, engole esse choro, levanta essa cabeça, bagunça o cabelo.
Recolhe os seus fragmentos juntados em 24 anos,
e dá uma função decente para isso.
Porque sério, se isso tudo não servir para nada agora.
Se mata...
Ah! Você acha que eu to sendo dura com você?
Ai sério! Olha para ti, e se ainda não tiver vergonha,
Olha para o céu azul, preste atenção nas pessoas.
Grita! Sei lá! Faz alguma coisa.
E se você ainda não acordar,
Fica mesmo de vegetal nessa vida anestesiada.
E eu desisto.



(É bom estar de volta.
E sentir o mundo nem caber em mim.)

Agora sim, saci

Música bonita.


terça-feira, agosto 10

Juntar pedaços,
me des.re.construir
me des.re.aproximar
me des.re.singularizar
me tornar nem sei o que
mas me tornar.

Clichê assim.

sábado, junho 5

vontade

Tava lendo Neruda, e dá vontade querer,
nem sei o que e nem porque,
só vontade de querer.


"Não te quero senão porque te quero
e de querer-te a não querer-te chego
e de esperar-te quando não te espero
passa meu coração do frio ao fogo.

Te quero só porque a ti te quero,
te odeio sem fim, e odiando-te rogo,
e a medida de meu amor viageiro
é não ver-te e amar-te como um cego.

Talvez consumirá a luz de janeiro
seu raio cruel, meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego.

Nesta história só eu morro
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero, amor, a sangue e a fogo. "

(Pablo Neruda)

segunda-feira, dezembro 7

Janelas

Sempre tive tara por janelas, no bom sentido claro!
fico viajando em tanto significado em tão poucas letrinhas,
sabe, janela no concreto, janela na pele, janela de lcd
janelas!
e quantos mundos são unidos por janelas, quantos dentros,
quantos lá longe.
E acho q essa palavrinha nunca se encaixou tanto na minha vida como agora!
sabe, porque além de tudo você pode escolher que janelinha abrir

Tem aquela de neve, que raramente a gente abre, mas quando abre
e de dar arrepios na alma. Entende aquela sensação de "fiz merda"? então...

Tem aquela que sempre chove muito, é frio e cinza, mas a gente sempre insiste
em abrir, sabe se lá porque, talvez por teimosia, costume, ou talvez por ter esperança que lá no finalzinho tenha um solzinho tímido, como tinha tão freqüentemente, e ele faz tanta falta . E quando a gente fecha da uma sensação de aperto na alma, de não devia ter aberto de novo. Sabe "que burra que eu sou!" Pois é, é essa!

E tem aquelas, várias aquelas, que variam no tom do azul, na intensidade do vento, que tudo parece ser novo, de vez em quando chove, em algumas mais freqüente que nas outras.
Mas é sempre imprevisível, calmo atordoado. sensação de "E amanha?" e a gente acaba abrindo uma mais que a outra.

E tem uma ainda, que fica esquecedinha, e as vezes é tão pequena,
mas é a mais importante. Essa depende um pouco de todas as outras, por mais que a gente não queira. E ela faz sol, vento, frio, quando a gente mandar. E a gente conhece tão bem, tudo que tá ali a gente já viu. Mas por alguma janela e outra a gente esquece.
Mas quanto mais ela for aberta, tudo fica mais azul, e incrível como todas as outras janelas também, e ótimo que isso volta para essa. E tudo fica calmo.
sabe passe de mágica? e sem segredos.

Janela de mim mesmo.