domingo, dezembro 26

de terra e nuvem




Meu pai me criou como em trilha de chão de terra batida, debaixo do sol quente, me mandando escalar a terra seca, a pular os abismos com olhos abertos, sem perder de vista o fundo. Como bom pai, me deu um cantil cheio de água, uma corda, e me ensinou a usar o facão para abrir a estrada. Ficou de longe, exigindo que a estrada fosse perfeitamente trilhada, que os obstáculos virassem lindas esculturas, e que eu jamais reclamasse dos percalços, e não, eu não tinha de forma alguma, o direito de cair. Das trilhas, de longe eu o via, me estruturando, mas com cara endurecida de exigência, com braços cruzados, me fazendo forte, camuflando um coração que pulsa roxo na mão.

Já minha mãe é nuvem, me acompanha na estrada, faz chover quando faz muito calor, abre o sol para secar lágrimas e relampeja muito bem quando alguém se faz armadilha. Essa me deu cobertor para me aconchegar no caminho, muita comida para não perder as forças e principalmente para dividir com quem fosse preciso, além de palavras para acalmar. E fica ali em cima, pairando pertinho, sente mais do que eu, as minhas alegrias e tristezas. E por isso aprendi a fazer cara de gente de pedra, como a do meu pai, para que não sofra mais do que eu as minhas agonias. Preservo-lhe de suas tempestades incontroláveis, e protejo o mundo de seus raios. Tento fazer com que sinta só as alegrias, para que seu coração e o clima sejam de brisa.

Terra batida e nuvem fazem parte do que eu sou, num contraste que gera movimento e que me leva para frente, como positivo e negativo, ar quente e ar frio, num equilíbrio que só quem vive pela gente é capaz de passar. Sou de afeto escondido em força, duro como sol escaldante, indefinido como o escuro. Mas também sou força caminhando na corda instável do afeto, pé na frente do outro pé, frio no andar, mas intenso como olho de criança. Numa sintonia desafinada e que as vezes caí do alto e dói, mas com esboço de sorriso fincado, esculpido na terra batida, treinado para ser leve como nuvem branca.


Que venha mais um ano.







Um comentário:

Brícia Moraes disse...

de uma força belíssima.