quinta-feira, maio 19

Sobre o caso de Aracruz

Spray de pimenta em olho de criança, bomba de efeito moral, 130 homes do batalhão de missões especiais, cães farejadores, tiro, trator, tropa de choque... Gente! isso é vocabulário de guerra. E as cenas disso são as mais assustadoras possíveis. Sabem esses filmes que retratavam dominação de um povo sobre outro? Que a gente se choca, desliga a TV e vai dormir? Pois é, lembra muito, e dessa vez (como várias outras) é real. E bem do nosso lado.

Não tenho a menor vergonha de dizer que eu chorei quando soube disso, mas o que adianta chorar? Vergonha eu tenho de ter a minha casa, de está no meu computador, lendo besteira no facebook, preocupada com sei lá o que, mas que só diz respeito ao meu umbigo. E enquanto isso, mais de mil pessoas estão nas ruas com as suas crianças, sem direito ao mínimo que alguém precisa para viver, não disse sobreviver. Se bem que também caberia aqui. Sem direito ao mínimo que alguém precisa para sobreviver.

Vergonha eu tenho em dizer que agora eu me revolto, mas daqui a uma semana, provavelmente vai ter passado, já que sou cria de um sistema que tem como maior objetivo me anestesiar, e assim me enche de informação, me dá porrada atrás de porrada, até que não doa mais, me faz acreditar em outras coisas, me tira toda a ânsia de lutar, e ainda quer me consolar com arte medíocre e com brinquedos novos.

Vergonha eu ainda tenho em dizer que eu faço um curso de arquitetura e urbanismo, numa universidade federal, onde as pessoas deveriam estar discutindo cidade, e lutando por uma melhor, mas estão mais preocupadas com trote em calouro, ou com o seu diploma e seu escritório que vai apenas reproduzir uma ‘arquitetura’ de mercado. E sim! Eu faço parte disso. Por mais que não queira.

E sério! Se até o que se considera a ‘elite intelectual do estado’ -que é quem tem o privilégio de ter um curso superior, e um conhecimento maior sobre a situação, não consegue mais reagir frente a docilização do seus corpos, o que esperar da outra parte da população?

O que tá acontecendo em Aracruz é só mais um exemplo, assim como as remoções das comunidades do Rio. São exemplos de como o interesse financeiro e o estado podem ser ditadores, desumanos, defendendo interesses de uma minoria. E assim investem um monte em armamento pesado, em evento de gringo, em detrimento de uma cidade justa com habitação e um mínimo de dignidade para os seus moradores.

E aí eu te pergunto: Quanto vale?

Quanto vale hoje sua vida? Quanto vale o seu acordar e o teu bom dia? Quanto vale a mesa que você divide com tua mãe no almoço de domingo? Quanto vale aquele quadro (presente) que fica na tua sala? Quanto vale as lembranças ganhadas do filho? E a tua roupa preferida? Quanto vale as tuas paredes, o teu teto, o teu chão? Quanto vale a tua rua? E os amigos das crianças que moram do lado? Quanto vale construir teu teto com as mãos? Quanto vale o humano? Ser humano? Quanto vale a tua dignidade? O teu trabalho? Quanto?

Hoje é só essa pergunta que importa. ‘Quanto?’.

E por fim, digo como a maior parte do mundo, eu vou desligar meu computador, como alguém desliga a TV depois de um filme de guerra, e vou dormir longe do frio, da chuva, e amanha vou acordar e continuar fazendo parte de uma massa apática que acha que isso ‘não é problema meu’.





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